sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O positivismo e a história do direito: O Digesto de Justiniano

Prezados alunos e colegas, no bojo de nossa aula expositiva de ontem, na sequência da discussão do Digesto de Justiniano, levantamos as questões relacionadas a visão positivista da História e especialmente da História do Direito.  Chamei a atenção dos senhores para a construção teórica da ciência do direito fundada em dois grandes pilares, distintos e conexos : a linearidade e a evolução histórica. Vimos que esses dois elementos permeiam a visão do homem moderno sobre o processo histórico que vê no "final" da história, ou seja, em nossa civilização (presentificação da história), o clímax de um processo histórico que tem etapas consideradas evolucionistas, ou seja, a uma certa ideia de processo inexorável do progresso. Em outras palavras e de forma bem clara: nossa geração, e nossa civilização considera-se melhor que outras, afinal, somos modernos. Vimos em nosso debate como as opiniões da turma ficaram polarizadas sobre a ideia se estamos melhores ou piores que os antigos, e levantamos o problema do anacronismo, que consiste basicamente na inadequação de nossos conceitos, carregados de valores "modernos" para avaliar o passado humano. Dizia-lhes em sala que o "passado é algo muito sério", tanto quanto o presente, e lembrei-lhes das palavras de Comte que "somos mais governados pelos mortos do que pelos vivos", ou seja, o passado nos legou, sob muitas formas, representações da realidade que nos ajudam a tomar decisões, daí a importância da obra de Mary Douglas, "Como as instituições pensam", mencionada na semana passada.  Para então finalizar esse aspecto sob teoria da História citei-lhes e concitei-lhes   a adquirir a obra de Ricardo Marcelo Fonseca, obra essa que considero uma das melhores e mais competentes de introdução à história do direito, e que será objeto de futura reflexão, e de forma mais bem organizada. Abaixo reproduzo um pequeno trecho que foi lido em sala de aula e que revela o brilhantismo e síntese de um autor nacional que não deixa a desejar à autores estrangeiros: 

"Em outras palavras, é elaborado um conhecimento histórico intrinsecamente ligado a uma lógica que é própria do historiador que redige tal história e que, por sua vez, não pode ser dissociada de todo um código de valores, de preocupações teóricas etc., em verdade pertencentes à época do historiador (e não à época estudada). A linearidade construída desta forma, assim, torna-se uma deformação grave do passado pelo filtro desta lógica da exclusão (do presente). Como lembra Hespanha, a partir desse procedimento, "o presente é imposto ao passado; mas, para além disso, o passado é tornado prisioneiro de categorias, problemáticas e angústias do presente, perdendo sua própria espessura e especificidade, a sua maneira de imaginar a sociedade, de arrumar os temas, de pôr as questões e de as resolver". (FONSECA, Ricardo Marcelo, Introdução teórica à história do direito, p. 61).

Como bem ressalta o autor citado por Fonseca, uma das consequências de olhar o passado com os olhos do presente (com os valores de nossa sociedade atual) consiste em perder as especificidades temporais, históricas. Penso que os autores estão querendo dizer: tudo se torna presente quando estudamos o passado buscando nele unicamente respostas para os dilemas do presente. Isso leva uma diluição das fronteiras entre um tempo e outro, perde-se a nossa de temporalidade, tão importante para nos situarmos e também fazermos uma avaliação crítica de nossa sociedade e civilização. Toda crítica, falávamos em sala de aula ontem, necessita um elemento de comparação, que constituiria nosso ponto fixo arquemediano, e vimos que as culturas são relativamente inexoráveis, incomparáveis, mas não absolutamente, caso contrário, não poderíamos nem sequer opinar se é justa ou não a escravidão por dívida legitimada na Lei da Doze Tábuas, que diz expressamente que " se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre" (Tábua 3, 9). Tocamos rapidamente na questão do etnocentrismo, do relativismo cultural que permeia toda a nossa discussão sobre o direito antigo e moderno. 


Deixei uma questão em aberto aos senhores ontem, e espero que no nosso próximo encontro venhamos a tratar: se há na historiografia moderna (história tradicional ou positivista) a tendência de olhar o passado com os olhos do presente, haveria a possibilidade de olhá-lo de outra forma, ou estamos presos a condição de homens sujeitos de nosso próprio tempo na explicação do passado? 


Obs: vou postar, a pedido de alunos,  a figura que utilizamos para exemplificar como pessoas pertencentes a outras culturas e civilizações antigas construíram uma visão completamente inversa da nossa quando comparavam-se à outras culturas, a estátua do rei babilônico Nabucodonozor, onde a cabeça simboliza o ápice civilizacional representada pela sociedade mesopotâmica e babilônica. A próxima postagem irei colocar em mais detalhes os três primeiros capítulos do Livro I do Digesto de Justiniano abordados nessas últimas semanas.