segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Pequeno Esboço da História do Direito Romano

Por uma das abordagens da história do direito romano privilegia-se explicá-lo z partir de sua história política, ou seja, compreender o direito romano levando em conta as diversas fases dos regimes políticos adotados pelo povo romano. Dessa forma, a história do direito romano, basicamente, e grosseiramente,  pode ser dividida em três: Monarquia, República e Império.

I ) Monarquia (753 a.C- 509 a.C)

Esse período se caracteriza pelo exercício de um poder concentrado nas mãos dos reis, o próprio termo monarquia revela e caracteriza esse regime, já que "arquia" invoca o sentido de poder, enquanto que "mono", o de unidade, ou singularidade. Portanto, a monarquia é o exercício do poder por uma única pessoa, e que transmite esse poder ao seu sucessor hereditário. Em Roma, 7 foram os reis que exerceram o poder nesse período: Rômulo, Numa Pompílio, Túlio Hostílio, Anco Márcio Tarquínio o Velho, Sérvio Túlio e Tarquínio o Soberbo.
A pena tinha caráter sagrado, estava sempre vinculada a ideia de ofensa às divindades, inclusive contra as entidades familiares, como nos esclarece Fustel de Coulanges em sua obra Cidade Antiga. Apesar desse caráter de sacralidade, a maior parte das ofensas era considerada de ordem privada, ou seja, os crimes eram privados e o Estado só aparecia como árbitro entre as partes (delicta privada). A compositio permitia a transação, com a reparação do dano. Mesmo o homicídio era da esfera privada, com o tempo os delitos públicos foram aos poucos absorvendo os privados, e como observa Manzini (apud Füher) os termos delictum e crimen tornaram-se equivalentes, como é até hoje.

II) A República (509 a.C - 27 a.C)


Com a queda da Monarquia foi editada a Lei das XII Tábuas que trouxe alguns avanços no que diz respeito ao direito criminal, dos quais se destaca uma limitação da vingança privada à extensão do dano. Algumas disposições da Lei das XII Tábuas:


- Era obrigatória a reparação do dano ex delito. No caso de furto de colheita era punido com a morte se fosse púbere, e no caso de impúbere, além da punição teria ainda que reparar o dano: "Aquele que, de noite, furtivamente, cortar ou causar dano à colheita com a charrua: se é púbere será devotado a Ceres e morto; se é impúbere, será vergastado com varas a critério do magistrado e condenado a reparar o dano em dobro" (Tábua VIII, IX);
- Os danos culposos deveriam ser punidos com menor rigor: "Aquele que incendiar uma construção ou um monte de trigo perto da casa, se o fez com consciência e em plena razão, será ligado, flagelado e morto pelo fogo; se o fez por negligência será condenado a reparar o dano; se é muito pobre para essa reparação, será castigado moderadamente." (Tábua VIII, X);
- A testemunha mentirosa era lançada do precipício da rocha Tarpéia: "Que aquele que testemunhou um ato ou libripende (porta-balança) recuse seu testemunho seja infame, incapaz de testemunhar e indigno de merecer o testemunho alheio". (Tábua VIII, XXII).

A evolução histórica do povo  romano vai produzindo profundas alterações em seu direito criminal, ficando o próprio povo responsável em julgar os crimes punidos com a morte com a edição da  Lex Valeria (através do comício do povo). Mais tarde, pela Lex Calpurnia (149 a.C) uma comissão especializada passou a ficar responsável por esse tarefa,constituindo-se no marco histórico da instituição do juri. Além disso, pela Lex Poetelia Papiria os bens passam a responder pela obrigações do devedor, mudando o procedimento da execução no direito romano que desde a instituição da Lei das XII Tábuas exigiria o adimplemento mesmo que isso significasse a perda da vida ou da liberdade do devedor. Dessa forma o patrimônio do devedor responde por suas obrigações e não mais sua própria vida ou liberdade, fazendo bastante sentido uma observação de Maximiliano Roberto Ernesto Führer, que as "práticas criminais vão-se abrandando, até a quase extinção da vingança privada, o desuso da pena de morte e a adoção do princípio da legalidade" (História do Direito Penal, p. 39). Se o direito antigo foi fortemente caracterizado pela vingança, a partir desse momento temos uma mudança que assinala a pertinência da observação de Luigi Ferrajoli quando diz que "[...] a história do direito e da pena corresponde corresponde a uma longa luta contra a vingança" (Direito e razão, p.310).



III) O Império (27 a.C - 476 a.C)

Com a mudança do regime político em Roma, o direito sofreu alterações sensíveis, vindo a prevalecer o processo extraordinário. Diferentemente deste, o processo ordinário, se caracterizava por ser promovido por um magistrado ou uma das quaestiones (comissão processante permanente especializada por tipo de delito), por se fundar em lei prévia, e em fórmulas processuais mais ou menos rígidas. O procedimento ordinário ainda se caracterizava por se circunscrever a declarar a procedência ou improcedência da acusação, sem o estabelecimento de sanção, e foi esse tipo de procedimento que prevaleceu por quase todo o período republicano.
Como dito, no período do Império o procedimento extraordinário ganha força e se volta para cuidar de crimes não previstos em lei, voltando-se a julgamento de pessoas que se encontram fora do âmbito da lei que regia os cidadãos, inclusive tendo por objeto os escravos. O direito formulário foi flexibilizado, dando maior discricionariedade ao julgador, podendo o processo ser iniciado de ofício. As penas também aumentaram.
O período do Império registra um retrocesso na evolução humanitária das penas e um recrudescimento de penas que foram mitigadas no período republicano, como a aplicação mais intensa da pena capital. Acrescido a isso, há uma desconfiguração da igualdade perante a lei e do princípio da legalidade. Como observa Maximiliano Roberto Ernesto Führer "o processo ordinário foi totalmente substituído pelo extraordinário" (Ibidem, p. 40)