Os Direitos Humanos como Roteiro
Emancipatório.
A teoria crítica dos direitos humanos situa-os em sua
devida complexidade manifesta pelo fato de serem concebidos e praticados como
localismos globalizados, ou até mesmo, como forma de cosmopolitismo, ou seja,
como forma de globalização hegemônica ou como forma de globalização
contra-hegemônica, na perspectiva de Boaventura. Para que os direitos humanos
constituam uma forma de globalização contra-hegemônica alguns condições devem ser satisfeitas, são condições culturais. Vale reafirmar que para ele os
direitos humanos foram concebidos como universais, com a tendência de operar
como forma de localismo globalizado, e portanto como forma de globalização
hegemônica. Para que eles possam ser de fato emancipatórios, os direitos
humanos precisam ser reconceitualizados como multicultais. A competência global
e a legitimidade local exige que os direitos humanos sejam transformados à luz
do que é chamado de multiculturalismo emancipatório.
Os direitos humanos ainda que se apresentem como
universais não o são em sua aplicação local. Existem quatros regimes
internacionais de aplicação de direitos humanos: o europeu, o interamericano, o
africano e o asiático. Nega também que eles seja transculturais por si, pois
mesmo a questão da universalidade é uma questão particular, uma questão
específica da cultura ocidental. A Declaração Universal de 1948 é encarada
nessa perspectiva como uma marca liberal com um discurso dominante de direitos
humanos, pois se centra no reconhecimento exclusivo dos direitos individuais,
priorizando os direitos civis e políticos sobre os direitos econômicos, sociais
e culturais. No formato liberal, sempre priorizou do direito de propriedade,
como único direito econômico. No pós-Segunda Guerra os direitos humanos
estiveram em geral à serviço dos interesses econômicos e geopolíticos dos
Estados capitalistas hegemônicos. Como Richar Falk salienta, nessa geopolítica há
duas posturas, uma da “política da invisibilidade como o genocídio de algumas
etnias, enquanto a segunda postura é marcada por uma “política da
visibilidade”, como as críticas voltados para a política de direitos humanos no Irã e no Vietnã.
Mas existe um outro lado da moeda, pois os direitos
humanos tem servido como plataforma discursiva para lutar de classes e grupos
oprimidos, vitimizados por Estados autoritários e por práticas e econômicas excludentes ou por praticas
políticas e culturais discriminatórias. Os objetivos de tais lutas são
emancipatórias e por vezes, explicita ou implicitamente anticapitalista. Tem-se
então um discurso e uma prática que fazem dos direitos humanos um localismo
globalizado correndo paralelamente a discursos e práticas contra-hegemônicas,
que além de verem nos direitos humanos uma arma de luta contra a opressão
independentes de condições geopolíticas, apresentam propostas de concepções
não-ocidentais de direitos humanos e organizam diálogos interculturais sobre os
direitos humanos e outros princípios de dignidade humana.
Diantes do exposto, Boaventura ressalta que existe uma
urgente tarefa nesse contexto, a saber, a transformação dos direitos humanos de
um localismo globalizado em um cosmopolitismo. Mas para isso são necessários
atentar para cinco premissas:
1)
Primeira Premissa: Superação do debate
entre universalismo e relativismo cultural. Devem-se propor diálogos
interculturais sobre preocupações isomórficas (preocupações convergentes).
Assim ataca-se o universalismo. Já contra o relativismo há que se desenvolver
critérios que permitam distinguir uma politica progressista de uma política
conservadora dos direitos humanos, pautando-se por valores e exigências
máximas.
2)
Segunda Premissa: Todas as culturas
possuem concepções de direitos humanos, ou melhor, de dignidade humana, mas nem
toda elas a concebem em termos de direitos humanos. Boaventura assinala que deve-se identificar preocupações isomórficas entre
diferentes culturas;
3)
Terceira Premissa: Todas as culturas são
incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. Ora,
aumentar a consciência da incompletude cultural é uma das tarefas prévias para
a construção de uma concepção multicultural dos direitos humanos;
4)
Quarta Premissa: Todas as culturas têm
visões diferentes de dignidade humana;
5)
Quinta Premissa: Todas as culturas
tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios
competitivos de vínculos hierárquicos: 5.1- Princípio da Igualdade: opera por
intermédio de hierarquia entre unidades homogêneas. Por exemplo: hierarquia
entre estratos socioeconômicos; cidadãso/ estrangeiros.; 5.2) Princípio da
Diferença: opera por meio de hierarquia de identidade e diferenças consideradas
únicas. Por exemplo: hierarquia entre etnias ou raças, entre sexos, entre
religiões, entre orientações sexuais.
Diante
do até agora exposto, podemos afirmar que uma politica emancipatória de
direitos humanos deve saber distinguir entre a luta pela igualdade e a luta
pelo reconhecimento igualitário das diferenças, a fim de poder travar ambas as
lutas eficazmente. Portanto, essas são as premissas de um diálogo intercultural
sobre a dignidade humana que pode levar eventualmente a um concepção mestiça de direitos humanos,
uma concepção que se organiza como uma constelação de sentidos locais,
mutuamente inteligentes, constituindo em uma rede de referência normativas
capacitantes.
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