sábado, 26 de outubro de 2013

UMA VISÃO CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS POR BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

 Os Direitos Humanos como Roteiro Emancipatório.

            A teoria crítica dos direitos humanos situa-os em sua devida complexidade manifesta pelo fato de serem concebidos e praticados como localismos globalizados, ou até mesmo, como forma de cosmopolitismo, ou seja, como forma de globalização hegemônica ou como forma de globalização contra-hegemônica, na perspectiva de Boaventura. Para que os direitos humanos constituam uma forma de globalização contra-hegemônica alguns condições devem ser satisfeitas, são condições culturais. Vale reafirmar que para ele os direitos humanos foram concebidos como universais, com a tendência de operar como forma de localismo globalizado, e portanto como forma de globalização hegemônica. Para que eles possam ser de fato emancipatórios, os direitos humanos precisam ser reconceitualizados como multicultais. A competência global e a legitimidade local exige que os direitos humanos sejam transformados à luz do que é chamado de multiculturalismo emancipatório.
            Os direitos humanos ainda que se apresentem como universais não o são em sua aplicação local. Existem quatros regimes internacionais de aplicação de direitos humanos: o europeu, o interamericano, o africano e o asiático. Nega também que eles seja transculturais por si, pois mesmo a questão da universalidade é uma questão particular, uma questão específica da cultura ocidental. A Declaração Universal de 1948 é encarada nessa perspectiva como uma marca liberal com um discurso dominante de direitos humanos, pois se centra no reconhecimento exclusivo dos direitos individuais, priorizando os direitos civis e políticos sobre os direitos econômicos, sociais e culturais. No formato liberal, sempre priorizou do direito de propriedade, como único direito econômico. No pós-Segunda Guerra os direitos humanos estiveram em geral à serviço dos interesses econômicos e geopolíticos dos Estados capitalistas hegemônicos. Como Richar Falk salienta, nessa geopolítica há duas posturas, uma da “política da invisibilidade como o genocídio de algumas etnias, enquanto a segunda postura é marcada por uma “política da visibilidade”, como as críticas voltados para a política  de direitos humanos no Irã e no Vietnã.
            Mas existe um outro lado da moeda, pois os direitos humanos tem servido como plataforma discursiva para lutar de classes e grupos oprimidos, vitimizados por Estados autoritários e por práticas e  econômicas excludentes ou por praticas políticas e culturais discriminatórias. Os objetivos de tais lutas são emancipatórias e por vezes, explicita ou implicitamente anticapitalista. Tem-se então um discurso e uma prática que fazem dos direitos humanos um localismo globalizado correndo paralelamente a discursos e práticas contra-hegemônicas, que além de verem nos direitos humanos uma arma de luta contra a opressão independentes de condições geopolíticas, apresentam propostas de concepções não-ocidentais de direitos humanos e organizam diálogos interculturais sobre os direitos humanos e outros princípios de dignidade humana.
            Diantes do exposto, Boaventura ressalta que existe uma urgente tarefa nesse contexto, a saber, a transformação dos direitos humanos de um localismo globalizado em um cosmopolitismo. Mas para isso são necessários atentar para cinco premissas:
1)      Primeira Premissa: Superação do debate entre universalismo e relativismo cultural. Devem-se propor diálogos interculturais sobre preocupações isomórficas (preocupações convergentes). Assim ataca-se o universalismo. Já contra o relativismo há que se desenvolver critérios que permitam distinguir uma politica progressista de uma política conservadora dos direitos humanos, pautando-se por valores e exigências máximas.
2)      Segunda Premissa: Todas as culturas possuem concepções de direitos humanos, ou melhor, de dignidade humana, mas nem toda elas a concebem em termos de direitos humanos.  Boaventura assinala que deve-se  identificar preocupações isomórficas entre diferentes culturas;
3)      Terceira Premissa: Todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. Ora, aumentar a consciência da incompletude cultural é uma das tarefas prévias para a construção de uma concepção multicultural dos direitos humanos;
4)      Quarta Premissa: Todas as culturas têm visões diferentes de dignidade humana;
5)      Quinta Premissa: Todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de vínculos hierárquicos: 5.1- Princípio da Igualdade: opera por intermédio de hierarquia entre unidades homogêneas. Por exemplo: hierarquia entre estratos socioeconômicos; cidadãso/ estrangeiros.; 5.2) Princípio da Diferença: opera por meio de hierarquia de identidade e diferenças consideradas únicas. Por exemplo: hierarquia entre etnias ou raças, entre sexos, entre religiões, entre orientações sexuais.

Diante do até agora exposto, podemos afirmar que uma politica emancipatória de direitos humanos deve saber distinguir entre a luta pela igualdade e a luta pelo reconhecimento igualitário das diferenças, a fim de poder travar ambas as lutas eficazmente. Portanto, essas são as premissas de um diálogo intercultural sobre a dignidade humana que pode levar eventualmente  a um concepção mestiça de direitos humanos, uma concepção que se organiza como uma constelação de sentidos locais, mutuamente inteligentes, constituindo em uma rede de referência normativas capacitantes. 

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