sábado, 26 de outubro de 2013

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1.1-           Dignidade Humana.


A dignidade é expressão que melhor representa os direitos humanos, pois constitui em eixo nuclear destes tendo em vista que é o “valor básico fundante”, conforme Pascual[1], e em razão disso ela é indivisível, conforme o mesmo autor. Mas a construção histórica do conceito de dignidade remonta a distinção feita pelos romanos entre a função pública que uma pessoa exerce e o alto prestígio oficial (dignitas) que encarna-se em seu titular. Acompanhando a explicação que Comparato faz desse termo, assinala-se a importante obra de Kantorowicz (Os Dois Corpos do Rei), pois enquanto seu corpo material está submetido a corrupção e ao declínio, seu corpo politico sobrevive a morte. Dessa forma a teoria medieval dos dois corpos do Rei:

[...] permite compreender em sua plenitude o constraste entre a dignidade transcendente da pessoa humana, enquanto supremo modelo da vida ética, e a individualidade pessoa de cada ser humano, com todas as suas limitações e deficiências. O paradigma da pessoa humana reúne em si a totalidade dos valores; ela é o supremo critério axiológico a orientar a vida de cada um de nós.[2]

            Como nos lembra Pascual, a dignidade é uma ideia universal[3], sendo que por sua vez o fundamento dessa ideia se encontra no próprio consenso, tal como defendido por Bobbio, em sua obra "A Era dos Direitos". Como o próprio Pascual assegura, tanto os pactos internacionais como os fundamentos dos pactos, estão baseados no consenso, e dessa forma “la propia dignidade humana como fundamento es objeto de pacto o consenso”[4]. Buscando definir o que é “dignidade da pessoa” Sarlet destaca sua característica de ser um conceito em aberto, a ser determinado, mas ressalvando que essa condição não impede a busca de uma fundamentação, até porque a “própria comunidade humana vislumbra em determinadas condutas (inclusive praticadas em relação a outros seres vivos) um conteúdo de indignidade”[5]. Para esse autor, essa situação demonstra que é mais fácil dizer o que a dignidade não é do que dizer o que ela é. Mas após longa dissertação sobre o tema, Sarlet por fim oferece uma concepção aberta e multidimensional da dignidade da pessoa humana que reproduzimos abaixo:

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para um vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos de sua existência e da vida da em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. [6]

            Por fim, é oportuna a preciosa lição kantiana do imperativo categórico, segundo o qual, para eu saber se uma conduta é moral ou não, devo submetê-la ao teste do imperativo. Toda vez que eu estiver diante de uma situação que exige de mim uma ação moral Kant recomenda: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”, ou ainda, “age como se a máxima da tua acção se devessse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza[7]. Desenvolvendo sua doutrina do imperativo categórico, Kant estabelece como consequência lógica desse imperativo,  considerar o homem como

[...] ser racional [que] existe  como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim.[8]

 Como frisa Sarlet, Kant faz uma distinção entre dignidade, como um valor incomensurável economicamente, e as coisas, que estão submetidas ao regime da quantificação econômica. Para Kant, ainda nas linhas de Sarlet, a dignidade corresponderia a um valor sem preço, no sentido de um valor intrínseco, infungível, próprio de cada ser humano, reconhecendo os seres humanos como possuindo um valor com certo caráter normativo, mas não utilitário[9].
      É exatamente em cima desse texto de Kant que Luigi Ferrajoli desdobra a diferenciação entre direitos fundamentais e direitos patrimoniais, pois os primeiros estavam subscritos a dignidade das pessoas, cujo conteúdo valorativo se afasta ou se distingue dos direitos patrimoniais singulares, tomando os primeiros como direitos fundamentais universais. Nas palavras do mestre italiano, tal distinção pode ser destacada como níveis diferenciados, onde um opera  “como valor relativo” e outro como “valor intrínseco”, um ambientado na esfera do disponível ou de mercado, e outro na esfera do indisponível ou da dignidade propriamente dita[10].   




[1] Pascual, 2000, p. 29
[2] Comparato, 2006,p.481.
[3] Ibidem, p. 31
[4] Pascual, 2000, p.68.
[5] Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 8ª edição ver. Atual e ampl. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2002, p. 40. 
[6] Sarlet, 2010, p. 70.
[7] Kant, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. Porto: Porto Editora, 1995 ,p. 39
[8] Ibidem, p. 65.
[9] Sarlet, 2010, p. 38.
[10] Ferrajoli, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos Bens Fundamentais. Tradução de Alexandre Salim et al. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011,p.104.

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